Praticar yoga significa sinteticamente você praticar a si mesmo. Esta é a essência do yoga: praticar quem você verdadeiramente é. Então o propósito de praticar é desenvolver um modo de ser quem você de fato é. A grande motivação é a de você descobrir o seu autêntico modo de ser. A meditação dos yogues oferece um método seguro para aperfeiçoar essa prática de si mesmo. Entretanto, estamos habituados a pensar em meditação como uma forma de reflexão, de pensar sobre algum assunto. Essa é uma visão do senso comum, mas que podemos aproveitar para nos aproximar do conceito de meditação dos yogues.
O método da meditação é composto por três momentos, que fazem parte dos oito componentes descritos na doutrina do yoga escrita pelo sábio Patânjali, no séc. V a.C., na qual se define yoga como o recolhimento das atividades mentais ao coração, de tal modo que você, assentado no seu coração tranquilo, seja quem você verdadeiramente é.
Os oito componentes (ashtanga) do método indicam atitudes e comportamentos que devem ser praticados habitualmente e que seguem uma gradação: desde o que está mais para fora de você para o que está mais para dentro de você. Assim, antes dos três componentes da meditação, que são os mais próximos de você, do seu si-mesmo, há outros cinco mais distantes, mas igualmente necessários.
Tudo começa com a atenção ao seu modo de se relacionar com quem não é você, ou seja, com os outros. São as atitudes chamadas yamas, uma palavra em sânscrito que enfatiza o controle e o respeito ao outro. Pois em relação ao que é externo a você (o mundo e os outros) é preciso agir com respeito.
As atitudes complementares relacionam-se ao modo como você se relaciona consigo mesmo. São chamadas de niyamas, referem-se ao respeito que se deve ter consigo mesmo. Partimos assim do mais distante para o mais perto de cada um de nós.
Depois vem o ásana, que modernamente é chamado de postura, mas que na tradição doutrinal é o assentamento de você em você mesmo, da sua mente no seu coração. Em seguida vem o pranayama (prana: o movimento da energia divina que faz tudo acontecer; yama: respeito, controle). Em yoga pranayama significa a atenção à sua energia e também aos seus movimentos, de modo que você respeite a energia divina que há em você e aja de acordo com ela. Está muito associado à respiração, porque esta reflete a atividade de cada pessoa, mas tem um sentido bem mais amplo, no entanto. Um exemplo bem simples: quem pratica pranayama não fica batendo com o pé no chão nem tamborilando com os dedos da mão enquanto conversa ou assiste a um filme; em vez disso permanece estável e tranquilo nessas situações comuns.
Há várias maneiras de se perceber se uma pessoa está no controle da sua energia, pela postura do corpo ou pela respiração, por exemplo. Essa pessoa tenta superar os eventuais desconfortos que a perturbem. Quando estamos tranquilos, vivenciamos o estado de pranayama, em que purificamos o nosso movimento, desde o nosso espírito até os gestos visíveis.
Temos, então, o quinto componente. Ele raramente é comentado, porque no yoga moderno só se fala em ásana (como postura) e pranayama (como respiração). Trata-se do pratyahara, que significa desligar os sentidos dos seus objetos usuais e dirigir a sua percepção para dentro de você mesmo, por isso é traduzido como introspecção. Em outras palavras, trata-se de reduzir o excesso de estímulos externos à sua percepção.
Ao praticarmos pratyahara vamos ganhando maestria em interpretar intuitivamente as percepções ou em nos livrar delas, o que nos permite administrar melhor ou reduzir o estresse do cotidiano. Então praticar pratyahara é muito eficaz para nos aproximar cada vez mais de nós mesmos e nos distanciar do exagero de atenção às solicitações do mundo.
Esses foram os cinco componentes do yoga que são considerados externos, mas que nos aproximam de nós mesmos conforme a doutrina de yoga. Agora chegamos aos três considerados internos e que são o fundamento do que chamamos de meditação restritiva. Em conjunto são chamados de samyama e compostos por três momentos: o primeiro momento da meditação é a dharana, que é fazer o assentamento da sua mente no seu coração tranquilo, o qual é o primeiro foco meditativo; logo a seguir, vem dhyana, que é colocar a atenção no segundo foco meditativo, aquele para o qual se quer obter uma convicção intuitiva; por fim, o mais interno, chamado de samadhi, é a condição na qual você está intensamente em você mesmo, sem depender de interpretar percepções, está plenamente intuitivo, o seu eu espiritual em sintonia com o Eu eterno.
Então, esses são os três componentes doutrinários da meditação restritiva dos yogues: dharana, dhyana e samadhi. Restritiva porque nela se restringem os focos de atenção. É para notar que essa meditação em yoga tem dois focos! O primeiro foco é interno e estabelecido com dharana, enquanto o segundo foco é o tema da sua reflexão, algo que desperta o seu interesse e você quer compreender melhor.
Assim, primeiro você entra em estado de introspecção, para fazer o assentamento da sua mente no coração. E por que isso? Porque se você estiver intranquilo, agitado ou sob forte emoção, com raiva de alguém ou fora de si, poderá assentar-se num foco interno errado, o qual não é você de verdade, é apenas um você circunstancial e fora de si.
Essa condição inadequada é perigosa, porque provocará uma compreensão absolutamente diferente da que é adequada a você. Para evitar esse perigo, você precisa estar com o coração tranquilo, como ele é normalmente, como o da pessoa que você verdadeiramente é.
Então, estabelecer o foco no coração depende primeiro de você fazer o pratyahara. Isolar-se das percepções, colocar o espaço sideral no coração, sossegar, respirar, ficar tranquilo, para você se despojar das emoções que levam a atenção para os “eus” circunstanciais; para você então ficar no seu núcleo mental essencial.
Ocorrem três transformações no samyamaha. Há uma transformação associada à primeira etapa do processo meditativo, que é o recolhimento. Algo que Patânjali fala no início do texto doutrinal, Yoga Sutra: “yoga é o recolhimento das atividades da mente”. Esse recolhimento ao coração é a primeira etapa na dharana. Ela em geral é chamada de concentração. É a concentração no seu eu, no eu que constitui o núcleo do seu coração tranquilo.
Daí você passa a dar atenção ao segundo foco da elipse que constitui, graficamente, a sua meditação. Você passa a criar uma convicção no objeto da sua meditação enquanto fica focado nele. Ao focalizar esse objeto que representa algo de seu interesse, você vai abrindo mão do conhecimento intelectivo sobre esse objeto, desfazendo-se das aparências, deixando passar as descrições perceptivas para chegar à essência presencial do objeto.
O que interessa na meditação é conectar o seu eu com o eu essencial do seu foco de compreensão. No momento em que você deixa de verbalizar e de fazer quaisquer sequências de conexões, acontece o unidirecionamento com “algo superior”: surge a compreensão intuitiva.
Essa forma de meditação, portanto, é um processo que exige disciplina, mas com a prática habitual vai se tornando instantâneo e intuitivo. Primeiro você faz a introspecção, depois a concentração no seu coração, depois passa a focalizar no que pretende meditar, seja esse objeto concreto ou abstrato, mas sempre algo do seu genuíno interesse.
O essencial é centralizar em você (na condição tranquila de samadhi) e olhar para o mundo além das aparências das coisas; ou seja, é acreditar no seu coração, se ele estiver verdadeiramente tranquilo.
O tema principal em yoga é o perceber e agir do eu individual, não é o coletivo social nem alguma sociedade. Yoga focaliza o indivíduo em sua essência divina, uma individuação do eu universal, da consciência universal. Trata-se do isolamento da percepção (kaivalyam), de modo a se poder intuir para além das aparências sociais e agir conforme a vocação individual, que desse modo estará apoiada na ordem da consciência universal, aquela consciência divina que cria o universo e se desdobra em individualidades inteligentes com plena capacidade perceptiva.
Thadeu Martins
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