domingo, 17 de fevereiro de 2019

Yoga, o recolhimento ao coração

O sábio Patândjali, logo no início do texto dos Sutras de Yoga, afirma que Yoga é o recolhimento das atividades da mente ao coração, de modo a ser quem se é verdadeiramente. Então, cada um de nós com essa intenção e o exercício de assentar a mente no coração vai tranquilizar-se naturalmente e assim prosseguir em sua plenitude: sendo quem verdadeiramente é. Mas, fica a pergunta: como se recolhe a mente ao coração?

Conforme ensina o sábio Patândjali, a mente é expansiva em suas atividades. Os pensamentos, como normalmente se chamam as atividades mentais, são expansões da nossa mente – algo semelhante às ondas provocadas por uma pedra no instante em que cai num lago ou às ondas sonoras e tridimensionais que se ouvem. As ondas mentais se projetam para fora de nós e para tudo o que lhes for perceptível.
O nossos núcleos mentais ou as nossas personalidades estão sempre se expandindo, procurando encontrar a si mesmos em tudo que se vê. Isso pode ser um alerta importante como, por exemplo, quando eu me fixar em reclamar, repetidamente, de alguém, é porque a mente expandiu-se e grudou naquela pessoa; uma das minhas personalidades está reconhecendo naquela pessoa algo de mim mesmo e que me faz reclamar; desagrada-me, embora eu não perceba isso em mim e só perceba no outro.
A nossa mente se fixa naquilo em que encontra alguma sintonia com ela mesma, então o melhor é compreender a situação e resolvê-la para mudar logo de estação, em vez de se ficar "amarrado" em encrencas, que talvez nós sejamos a principal causa (não intencional).
São cinco os tipos de atividade ou expansão mental citados nos Yoga Sutras: a evidência, a inventividade, a imaginação, o sono e a memória. Elas se expandem e grudam em tudo a que damos atenção no nosso mundo perceptivo. Mas essas atividades mentais tanto podem estar em seu estado natural, em que não nos incomodam, quanto em estado perturbado, a nos incomodar e trazer desconfortos.
Patândjali aponta cinco estados que perturbam as nossas atividades mentais: a falta de sabedoria, a egoidade, o desejo do prazer, a aversão à dor e o medo de ser excluído (de não pertencer a um grupo a que damos importância afetiva, por menor que seja ou o grupo ou o afeto). Essas seriam, portanto, as cinco principais causas do sofrimento mental.
Lembrando que essa egoidade nada tem a ver com egoísmo. Egoísta é apenas a pessoa que não pensa em mim. Já egoidade é quando, por exemplo, faço uma atividade não pelo fato de ela ser necessária, mas sim porque eu poderei me orgulhar de a ter realizado, se ela der certo, ou porque me envergonharei se ela der errado, i.e., eu, que sou o agente da ação, me faço mais importante do que a atividade necessária. Eu coloquei ego onde ele não precisava existir. A egoidade também se dá quando me identifico com a minha aparência corporal, por exemplo, e não me conformo com as transformações naturais do meu corpo. 
A falta de sabedoria é um conceito um pouco mais sutil. Basicamente, é confundir quatro conceitos básicos com os seus opostos: o eterno com o transitório, o puro com o impuro, o conforto com o desconforto e o si-mesmo com o que não é o si-mesmo. É tomar algo pelo que ele não é.
Mas alguém poderia se perguntar: como o prazer seria causa de sofrimento? O sofrimento passa a ocorrer quando ficamos dependentes de doses diárias de prazer; assim como de inclusão ou mesmo da possibilidade de dor.
Porém, a “dependência química" do pertencimento é talvez a mais complicada, porque ninguém quer sentir-se excluído. Desde criancinha aprendemos a fazer algo para sermos aceitos. Podemos assim ficar sempre dependentes da avaliação das outras pessoas. Esta criança carente (eu ou você) que precisa ser incluída vai nos acompanhar por toda a vida. Então, adote-a e cuide da sua criança para ela livrar-se dessa dependência da permissão para ser feliz.
Embora essas perturbações que levam ao sofrimento possam ocorrer a qualquer tempo, nós podemos nos livrar delas com o auxílio do nosso coração. Sim! Os yogues sentem a presença de si mesmos no coração. De modo que somos ao mesmo tempo dois "eus": um operador e um supervisor, aquele que atua e aquele (tranquilão) que observa o operador em ação e que pode orientá-lo para o melhor. Assim as perturbações atingem apenas e temporariamente o operador, não o supervisor que tem o papel de preservar a calma, a tranquilidade e a possibilidade de o operador sair das perturbações.
A chave do sucesso para lidar com as perturbações é o recolhimento ao coração. Esse é o propósito dos exercícios de Yoga: cultivar o estado de interiorização (também chamado de Samadhi), em que você se recolhe ao seu coração habitualmente no dia a dia dos seus afazeres cotidianos. Assim, quando uma perturbação ocorrer, você estará treinado para apoiar-se na sua tranquilidade interior e poder lidar com a situação perturbadora.
O Samadhi é um hábito a ser cultivado. O desafio é você exercer todas as suas atividades habituais, mas em si (e nunca fora de si), de tal modo que você seja o tempo todo o operador com o supervisor que habita o seu coração. No estado de recolhimento mental dos yogues, o operador e o supervisor ficam em harmonia um com o outro. Assim, o coração pode orientar a percepção da realidade do operador e ela passar a ser vista como ela é realmente e não distorcida por emoções e outros fatores.
Na compreensão dos yogues, o eu do coração está em tudo que existe e, por isso, ele não depende da percepção do operador, ele não precisa interpretar as percepções do mundo; ele é a própria verdade do que existe, porque ele é espiritual. Embora a voz que vem do nosso coração, a intuição, nos dê a sensação de individualidade, o espírito está em todo lugar e nos outros também.
Um bom exemplo desse estado interiorizado é o da total concentração, em que um médico cirurgião se encontra ao fazer uma operação de alta complexidade; ou um equilibrista, ao atravessar em uma corda bamba por cima de uma cachoeira; ou nós mesmos, "andando de bicicleta”. Vivemos em um equilíbrio precário e instável, mas em que o nosso movimento nos dá uma extraordinária estabilidade. Podemos fluir pelo mundo, inabaláveis e percebendo as coisas como elas realmente são e não apenas com a mera aparência que elas possam apresentar.
Você pode praticar esse hábito de estar em contato com o seu supervisor interior que está no seu coração. A maneira mais fácil de criar esse hábito é respirar com atenção. Sim! O respirar que fazemos o tempo todo. Quando você inspirar, sinta o ar indo até o seu coração com a intenção de você ir até o seu coração, onde o sangue é reciclado para levar o oxigênio para os trilhões de células do seu corpo. Continue a fazer tudo o que faz habitualmente, mas respirando dessa forma, com o propósito de ser plenamente você mesmo. Ao expirar sinta o ar saindo do seu coração até as narinas e delas para o espaço.
Perceba o seu corpo como um caminho para chegar ao coração e harmonizar-se com o seu supervisor espiritual que nele se manifesta. Você pode espalhar essa sensação de harmonia do seu coração pelo seu corpo todo, como se estivesse a sorrir para você mesmo e dirigir-se para as atividades que têm a ver com você; seguir a sua vocação de felicidade e harmonia no mundo. Dessa forma, você estará praticando o principal hábito de Yoga: o recolhimento ao coração.
Thadeu Martins

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